Em um mundo tomado por crises humanitárias, guerras, fome e colapsos sociais, um fenômeno grotesco ganha espaço e prestígio nas vitrines, nas redes sociais e até no colo de adultos emocionalmente instáveis: os chamados “bebês reborn” — bonecos hiper-realistas que imitam recém-nascidos com tamanha perfeição que chegam a confundir os olhos desatentos. Vendidos a preços exorbitantes, tratados como filhos reais, esses simulacros do afeto são o reflexo de uma sociedade doente, mergulhada em um narcisismo sem retorno.
Fetiche do vazio
O culto ao bebê reborn não é uma simples excentricidade. É sintoma. Sintoma de um tempo onde o virtual suplantou o real, onde a aparência substituiu o afeto genuíno, e onde a carência emocional é terceirizada para o mercado — sempre pronto a lucrar com as neuroses coletivas.
Mulheres (e homens) adultas trocam fraldas, alimentam com mamadeiras e até levam seus “filhos de silicone” ao shopping. Há vídeos com milhões de visualizações em que adultos performam a maternidade com bonecos. Isso não é carinho. Isso é delírio. O que era para ser brinquedo infantil virou válvula de escape emocional para pessoas que já não conseguem lidar com o outro real — com o filho verdadeiro, o companheiro de carne e osso, ou até com o espelho.
Alienação fabricada
O mercado do reborn movimenta milhares de reais por unidade, com versões “premium” que podem custar até mais que o salário mínimo de um trabalhador brasileiro. Tudo isso por um boneco. Enquanto milhões passam fome ou lutam para pagar o gás de cozinha, a elite da alienação afaga um bebê de plástico como se estivesse praticando um ato sagrado.
Essa insanidade coletiva, amplificada pelas redes sociais, é vendida como “autocuidado”, “terapia” ou “forma de lidar com traumas”. Mas a realidade é mais cruel: estamos diante de uma cultura que transformou a fuga da realidade em estilo de vida.
O novo altar da futilidade
Numa era em que os problemas sociais exigem empatia, ação e senso de comunidade, o bebê reborn surge como símbolo máximo da regressão: adultos que, incapazes de lidar com a complexidade da vida real, optam por simular a vida, embalar o nada e dar nomes próprios à fantasia.
Não é apenas bizarro. É trágico
Quando uma sociedade valoriza mais um boneco do que uma criança de verdade abandonada nas ruas, não estamos diante de um passatempo — estamos diante do colapso moral.