Por Ricardo Nogueira
A proposta do governo federal de ampliar a isenção na conta de luz para até 60 milhões de brasileiros de baixa renda acende um alerta vermelho na cadeia produtiva do país. Embora a medida traga alívio imediato para famílias em situação de vulnerabilidade, especialistas alertam que a conta final será paga por outro setor: a indústria brasileira, que poderá ver seus custos com energia subirem até 20%.
Victor Iocca, diretor de energia elétrica da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), foi enfático:
“Essa política de subsídio cruzado compromete a competitividade da indústria nacional e, no fim, o aumento recai sobre todos os consumidores.”
Alívio social com custo oculto
A proposta do governo prevê que o benefício seja financiado com repasses de outros setores. Na prática, o modelo transfere o custo das famílias isentas para os grandes consumidores de energia — em especial as indústrias, que já enfrentam desafios como juros altos, carga tributária pesada e infraestrutura defasada.
Iocca explica que o aumento nos custos energéticos deve impactar diretamente os preços de produtos essenciais, gerando inflação indireta e atingindo justamente os consumidores mais pobres, que seriam os supostos beneficiários da medida.
Risco à competitividade nacional
O Brasil já está entre os países com energia mais cara do mundo para o setor industrial. Um reajuste de 20% pode colocar empresas em situação crítica, reduzindo sua capacidade de produção, provocando demissões e até incentivando a transferência de fábricas para países com custo energético mais competitivo.
“Não se trata de ser contra o apoio às famílias vulneráveis. Trata-se de criar uma política pública responsável, que não sacrifique o crescimento do país em nome de medidas populistas e imediatistas”, disse Iocca.
E o consumidor final? Vai sentir no bolso?
Sim. O aumento de custos na indústria é inevitavelmente repassado ao consumidor final. Itens como alimentos, produtos de limpeza, vestuário e eletrodomésticos devem sofrer reajustes nos próximos meses caso a medida seja confirmada. Em vez de justiça social, o que se pode criar é um ciclo de falsa economia: o brasileiro deixa de pagar a conta de luz — mas paga mais caro por tudo o que consome.
Soluções sustentáveis ou paliativos?
A discussão sobre isenção da conta de luz reacende um debate maior: até quando o Brasil vai sustentar políticas públicas baseadas em repasses e não em reformas estruturais? Em vez de penalizar a indústria, especialistas defendem revisão de tributos, redução de encargos setoriais e combate a desperdícios no sistema elétrico.
No fim, alguém sempre paga a conta e, mais uma vez, pode ser o próprio povo.